Liberdade

Tenho a Liberdade como sendo a característica fundamental do ser humano.
É verdade que o nosso corpo de mamífero nos não permite voar. Mas usámos o cérebro de mamífero para termos a liberdade de voar.
Em cada momento as escolhas abundam, mesmo quando as condições são adversas. É certo que, muitas vezes, escolhemos esquecermo-nos de que somos livres. E quando decidimos que não somos os responsáveis pelas nossas escolhas, de uma escolha se trata,, triste mas livre.
Quando inventámos a agricultura e deixámos de ser caçadores / recolectores, inventámo-la para aumentar a nossa liberdade. Os nossos antepassados, os que escolheram continuar a colher os frutos que outros plantavam, fizeram essa escolha procurando a sua liberdade. E os que escolheram submeterem-se a isso foram tão livres na escolha como os que escolheram lutar.
Quando inventámos a Justiça, procurávamos, colectivamente, a Liberdade.
Quando os escravos se juntaram a Spartacus, tanto eles como os patrícios valorizavam a liberdade.
E quando, mais tarde, um patrício decidia que não era livre enquanto houvesse escravos e se juntava à seita dos cristãos, era livre a sua escolha.
Ou quando esta seita escolheu glorificar os mártires, os que tinham escolhido ser torturados e morrer para que, um dia, os seus irmãos fossem livres. Com essa escolha a Liberdade começa a ser um dos nossos condicionantes culturais;  mas somos livres de a não respeitar, valor universal que é, hoje.
A poesia canta-a, pelos séculos fora, hoje cantam-na as séries televisivas, é um desideratum da humanidade. Não imaginamos a dignidade humana sem o direito a ser livre.
Mas isso é uma escolha. Os fascistas italianos escolheram ser, de novo, patrícios; vendo a escassez, escolheram criar "elites" privilegiadas e defender os seus privilégios pela força, na procura da sua liberdade. E hoje, de novo, há quem escolha submeter-se aos seus netos, e quem escolha lutar.

A luta passa-se no campo da consciência das pessoas. Os privilegiados que escolhem ver a escassez e não ver a iminência de ela acabar, lutam por nos convencer de que a escassez é natural e para sempre.
Os que sabem que a escassez pode acabar lutam por limpar a consciência das pessoas dos seus medos atávicos.

Se a Liberdade é real e desejada, a liberdade de expressão, a liberdade de fazer escolhas diferentes das nossas, existe e não é contra ela que lutamos. Se deixarmos de reconhecer o "direito ao disparate", se deixarmos de permitir que ideias neo-fascistas sejam propagandeadas, não estaremos a escolher a liberdade.
Estas devem ser vistas com compaixão, são produto do medo da escassez e quem escolhe lutar por privilégios, inestética escolha, tem essa liberdade.

Aconteceu-me, recentemente, ser acusado de tirano por defender a liberdade de expressão. Não distinguiam entre dizer uma ideia e impor uma ideia. Ora, há muito que descobrimos que a nossa liberdade acaba onde começa a liberdade do outro. Dizer não é impor. Se o leitor defender leis que proibam a liberdade de expressão dos neo-fascistas eu não defenderei que seja proibido de fazer isso.

A liberdade é tão intrínseca à natureza humana (que é cultural!) que quem a não reconhece como real e desejável, quem contra ela luta, manipulando os outros e a si mesmo dizendo que por ela luta, fenecerá naturalmente, sem esforço nosso. O nosso "esforço", se o fosse (!), é apenas o de procurar a verdade, e o de dizer aos outros, que a não queiram ouvir, o que dela formos vendo. Pode-se chamar "esforço" à resistência aos que nos mandam calar. Por mim, leitor, não o vejo. Esforço seria não dizer o que penso, esforço seria tentar convencer-me a respeitar a liberdade dos que me não querem ouvir. Têm sempre a liberdade de mudar de sala, de mudar de sítio. A liberdade de mandar calar os outros colide com a liberdade desses outros. Que são livres de se submeterem ou de resistir.
O "diálogo" em que um dos falantes apenas diz que não quer ouvir, não é diálogo. Ora, para que a libertadora consciência cresça, temos que ouvir os outros. Incluindo os patetas, como o Bolsonaro. E temos que lhes dizer que são livres até ao ponto em que colidam com a liberdade dos outros, limite natural. São livres de mentir, não lhes damos a liberdade de matar ou de encarcerar e torturar.


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