O caminho consciente

A democracia autêntica é um caminho possível da nossa civilização. Uma alternativa, que nos parece utópica, à oligarquia em que vivemos, ao sistema capitalista, que está a deixar a classe média, seu principal suporte numérico, cada vez mais pobre.

As grandes transformações da civilização em que vivemos foram sempre traumáticas, pelo menos incómodas! Elas fazem-se sobre os ombros da estrutura anterior, são uma construção. Mas escolhem aquilo que são bases sólidas e descartam o que não interessa. Como sempre, quem perde privilégios luta contra a transformação pois, genuinamente, toma os seus privilégios por direitos, toma a sua perda por uma injustiça.

Dispomos de governos representativos, que sabemos estarem na mão das oligarquias, mas as assembléias ou parlamentos são compostos por pessoas que, muitas vezes, nem sabem estar nas mãos de uma oligarquia. Vi, em directo, o vice-presidente dos Estados Unidos da América, presidindo à mesa da  Câmara dos Representantes, pôr à votação se deveria ir a votos uma proposta de recusar os votos apresentados por alguns Estados, que são soberanos na organização das eleições. Uma proposta que punha em causa o sistema. E vi senadores falar como representantes dos cidadãos, com bom-senso, civilizadamente. Recordo-me de uma senadora republicana, do Arizona, afirmando que as eleições no seu Estado tinham sido impecáveis e que não competia à Câmara descartar os resultados apresentados. Vi o discurso civilizado de um senador republicano da Pensilvânia, também ele contrário a esse "golpe palaciano" que conviria ao seu partido. Não pude deixar de comparar com os discursos dos senadores brasileiros que votaram a destituição de Dilma Roussef e de lamentar o falhanço do sistema no Brasil.

A democracia directa põe em causa este sistema representativo, sim, mas não para recuar em civilização. Assisti a uns apressados mensageiros segredando algo ao vice-presidente americano, que interrompeu a sessão e saíu. Compreendi, mais tarde, que o Capitólio fora invadido por quem põe em causa o sistema mas não para criar mais civilização. Por quem deixa as emoções sobreporem-se à Razão e ao elementar respeito pelos adversários.

Como os manifestantes que saíram da lei foram instigados pelo presidente, este caiu em desgraça, institucionalmente, pois, para os democratas, fora sempre um desgraçado, tolerado pelas pessoas civilizadas porque a tolerância é um dos pilares da nossa civilização.

E aconteceu, ontem, algo que, festejado pelo senso.comum, creio que os democratas devem pôr em causa: dois bilionários, o "dono" do Twitter e o do FaceBook, retiraram-lhe a tribuna donde lançava as mentiras quotidianas que levaram à invasão do Capitólio.

A Democracia só pode ser construída quando uma maioria de cidadãos forem conscientes. E pessoas conscientes não são influenciáveis por pessoas como o ainda presidente, que é uma pessoa inconsciente, imatura e que não respeita a Verdade. A censura pressupõe que os cidadãos são infantis, levam a sério disparates e são manipuláveis. Ora, embora seja verdade que somos manipuláveis, o único caminho para criar a Democracia é deixarmos de o ser. O "Direito ao Disparate" é fundamental. Um disparate ouvido por uma pessoa consciente ajuda a clarificar o assunto. O medo não é um caminho que leve à Liberdade. E os bilionários não têm que "tomar conta" de nós. 

Deixemos o homem twittar!

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